Governo de SP perdoa dívida de R$ 116 milhões da Alstom (empresa processada por pagar propinas e promover cartéis)

relações promíscuas e ostensivamente corruptas da multinacional francesa Alstom com vários governos de São Paulo já vêm de longa data. Onde não há freios, a ganância sai sempre vitoriosa. Ela já participou da formação de vários cartéis em licitações do Metrô e de outras companhias estatais. Mesmo assim, indecorosamente, continua contratando com o poder público brasileiro. O que explica isso? “A democracia neste país é relativa, mas a corrupção é absoluta” (Paulo Brossard, advogado e político).


Se na Petrobras as propinas foram para o PT, PP e PMDB, em São Paulo (governado pelo PSDB há 20 anos), o destino final da corrupção da Alstom, paga a rodo e a granel, de 1998 a 2008, foi – pelo que se sabe até agora – para vários dirigentes da Empresa Paulista de Transmissão de Energia (EPTE) e outros agentes públicos (incluindo um conselheiro afastado do Tribunal de Contas) (Folha).

Num acordo de arbitragem (sigiloso) feito entre a Alstom e o governo de SP é que aconteceu o perdão da dívida de R$ 116 milhões (Folha). Acordo celebrado longe dos holofotes, que só veio a público por força de uma Lei de 2015 que obriga a publicidade de todos os atos que envolvam recursos públicos. Que falta faz a democracia vigilante (transparência em todos os atos públicos com acompanhamento popular pela internet).
Em uma ação civil a Alstom fez acordo com o Ministério Público e pagou R$ 60 milhões para se livrar do processo. A empresa alemã Siemens, em negociação feita com o CADE, confessou que todas elas promoviam cartéis nas licitações de obras e serviços com o Estado de São Paulo. Capitalismo cartelizado: rigorosamente sancionado na Alemanha, é aeticamente praticado abaixo da linha do Equador.

A bandeira central do neoliberalismo (desde o Colóquio Walter Lippmann, em 1938, em Paris) é a concorrência efetiva entre as empresas (isso é salutar), mas essa regra “não vale” para os poderosos nos países cleptocratas (como o Brasil). A tradição aqui (para as elites dominantes e governantes) é outra: cartelização, acordo anticompetitividade, capitalismo de laços (Sérgio Lazzarini), enriquecimento politicamente favorecido, gestão pública sob o reino da criminalidade organizada.

Pior: as investigações e os processos criminais nas Justiças estaduais (ainda fortemente cleptoconiventes, ainda que involuntariamente), em geral, seguem o velho sistema da Justiça conflitiva (não negociada), sob o império do ritmo arcaico “pré-Moro” (lento, arrastado, ziguezagueante: é o sistema feito para gerar prescrições). Com os temperos da prudência e do direito, a “morolização” tem que se espalhar por todo país.

É nesse contexto de suspeição cleptocrata máxima que veio o perdão pelo governo paulista de uma dívida da Alstom de R$ 116 milhões. É evidente que, por força dos valores republicanos da transparência e do respeito à coisa pública, tudo deve ser meticulosamente investigado (pelo MP, parlamentares, TCE e pela cidadania vigilante).
A criminalidade organizada envolvendo os donos delinquentes do poder (empresas, bancos, políticos de todos os grandes partidos, altos funcionários etc.) é um vírus poderoso que sempre teve a capacidade de infestar (em graus distintos) todos os governos da nossa história (imperiais, republicanos, ditatoriais, parlamentaristas ou democráticos). Aqui sempre se esquece que “República significa coisa pública, e não cosa nostra” (André Franco Montoro, político).

No Brasil – desde 1822 – vivemos sob a égide de um regime cleptocrata (sistema de governo extrativista que busca o enriquecimento ilícito ou politicamente favorecido das elites bem posicionadas dentro do Estado, em detrimento da população restante), que se mesclou, desde os anos 80, com a racionalidade neoliberal, porém, somente naquelas partes favoráveis à cleptocracia nacional, que foi antecedida pela cleptocracia portuguesa, que durou três séculos.
É impressionante a frouxidão das regras contratuais nas cleptocracias: o produto contratado (da Alstom) deveria ser entregue em 2011 e o prazo, agora, por força do acordo, foi para 2021. A população, claro, além de pagar a conta, ficará privada do sistema digital destinado a diminuir o intervalo entre os trens. Assim são feitos e (des) cumpridos os contratos públicos.

E por que tudo isso acontece diariamente (e quase que impunemente)?
Porque aqui se pratica, entre os donos do poder, o capitalismo de laços, que, na Inglaterra, se chama crony capitalism. Trata-se do capitalismo no qual o sucesso nos negócios depende das relações de amizade ou de compadrio (financiamento de campanhas, por exemplo) entre os empresários e os agentes públicos.

Daí resulta o favoritismo (o enriquecimento politicamente favorecido) para determinadas empresas que contratam serviços públicos e fornecimentos. Os laços estabelecidos pelos donos do poder permitem a manipulação e a fraude de concorrências e licitações, bem como dos termos dos contratos que firmam com os governos e as estatais (ver M. Carvalhosa, Conjur). Permite, na sequência, a manipulação permanente de tais contratos, em termos de superfaturamentos, execução incompleta ou defeituosa das obras etc.

As empresas bem posicionadas na esfera do poder delinquente, por força das suas conexões e relações, formam carteis, dos quais participam inclusive multinacionais sediadas no exterior (Alstom, Siemens etc.). A Justiça demora (com exceção da Lava Jato) anos e anos para sancionar esse tipo de abuso, praticado pelos agentes do “colarinho branco”. W. Buffett adverte que “Nada entorpece a racionalidade como dosagens elevadas de dinheiro sem esforço”.
Até aqui a Lava Jato vem combatendo a cleptocracia ostensivamente criminosa. Mas é hora de formar outra força-tarefa para enfrentar a cleptocracia camuflada, que é a antessala do crime organizado. Ela se enriquece por meio politicamente favorecido. O capitalismo de laços está inserido nesse trágico quadro, e trágico pelos seus efeitos nefastos para todos. “A maior corrupção se acha onde a maior pobreza está ao lado da maior riqueza” (J. B. De Andrada e Silva, político, estadista).

É preciso quebrar os laços de interlocução criminosa ou favorecida das empresas e bancos com os agentes políticos e administrativos. Isso poderia ser conseguido por um regime jurídico rígido chamado (nos EUA) de Performance Bond e Security Bond, que se caracteriza pelo seguinte (ver M. Carvalhosa, Conjur): há um contrato de seguro paralelo que cobre o descumprimento do contrato feito entre o poder público e o particular. Mais:

(a) impede a interlocução entre o Poder Público e as empresas e fornecedores; (b) quebra a corrupção sistêmica; (c) garante o preço, a qualidade e os prazos dos contratos; (d) possibilita o retorno do investimento público e os prazos são rigorosamente cumpridos; (e) exige projeto técnico pelo Poder Público de necessidade e da viabilidade da obra, definindo o preço, a qualidade e os prazos; (f) exige o empenho da verba orçamentária para a obra; (g) exige licenciamento da obra nos plano federal, dos Estados e dos municípios abrangidos.

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