Leia
essa matéria sobre a origem do Aedes Egipty e hoje a contaminação por
sexo e talvez por fluídos corporais, como saliva, suor, sangue...
As moléstias em conferência. Charge do início do século XX. Todas carregam o símbolo da morte, uma foice.
Quando falamos de epidemias na história do Brasil, a primeira a ser
lembrada é a febre amarela. Transmitida pela picada do mosquito Aedes
aegypti, chegou ao Brasil no século XVII em navios que vinham da África.
Os primeiros casos datam de 1685, no Recife, e de 1692, na cidade de
Salvador.
Durante o século XVIII, não foram relatados casos dessa
doença no Brasil. Ela retornou apenas entre 1849 e 1850, na forma de
uma grande epidemia, que atingiu quase todo o país. Uma das cidades mais
atacadas foi o Rio de Janeiro.
O mosquito Aedes aegypti.
Esse surto epidêmico obrigou o Império a tomar providências que podem
ser consideradas de saúde pública. O governo, por meio de um decreto,
tentou limpar as cidades purificando o ar. Mas, mesmo assim, a febre
amarela continuou a atacar. Não se imaginava que a causa da doença era
um mosquito. Depois de 1850, ela se tornou endêmica no Rio de Janeiro.
O número de vítimas aumentou assustadoramente. Entre 1880 e 1889, foram registrados 9.376 casos.
A solução para a febre amarela surgiu apenas no final do século XIX.
Até essa época, as teorias sobre a doença eram inúmeras. No Brasil,
acreditava-se que o clima, o solo e os ares poderiam ser propícios ao
seu surgimento; por isso a idéia de limpar o ar. Foi em Cuba que um
cientista descobriu que a febre amarela era transmitida pelo mosquito
Aedes aegypti.
Oswaldo Cruz já tinha conhecimento do trabalho
desenvolvido em Cuba e, quando iniciou sua luta para acabar com a febre
amarela na cidade do Rio de Janeiro, recebeu amplo apoio do presidente
Rodrigues Alves, que havia perdido um dos filhos por causa dessa doença.
Esse apoio político foi muito importante para que a ação do sanitarista
tivesse resultados, pois, nos meios científicos, muitos médicos não
acreditavam que um mosquito era o transmissor da febre amarela.
Para combater a doença e o mosquito, Oswaldo Cruz dividiu a cidade em
distritos e organizou as chamadas “brigadas mata–mosquitos”.
Pesquisa no Arquivo da Casa de Oswaldo Cruz: Rose Oliveyra
IOC (AC-CS) 1-6
Brigadas mata-mosquitos vedam residência para aplicação de veneno contra o transmissor da febre amarela.
As “brigadas” tinham o poder de invadir e isolar qualquer residência suspeita de abrigar focos do mosquito.
As medidas de profilaxia de Oswaldo Cruz tiveram características de uma
campanha militar. Os doentes eram isolados, e a cidade ficou sob a
constante vigilância das autoridades policiais e sanitárias.
A
imposição de normas de higiene e a vigilância sobre a cidade e os
hábitos da população caracterizam a prática campanhista autoritária. Na
solução do problema da febre amarela, Oswaldo Cruz teve sucesso. Depois,
precisou enfrentar a varíola, uma das doenças mais antigas de que se
tem notícia. Causada por um vírus, o Orthopoxvirus variolae, ela tirou
muitas vidas ao longo da história.
Sua presença marcou
importantes períodos, como a Idade Média, época em que recebeu inúmeras
denominações, como “pequena pústula” e até mesmo o nome usado até hoje,
“varíola”.
Pústulas, manchas, cicatrizes: essas eram as
principais marcas da varíola. Se a pessoa não morresse em virtude das
altas febres, dores e fatiga, poderia ficar cega e com profundas
cicatrizes pelo corpo, especialmente no rosto.
Comum na Europa, a
varíola chegou ao Brasil junto com os colonizadores e os navios que
vinham da África. As primeiras referências da doença datam de 1563, por
ocasião de uma epidemia que ocorreu na cidade de Salvador e seus
arredores.
Por causa das feridas em forma de bolhas que cobriam o
rosto dos doentes, a varíola ficou conhecida popularmente como “mal das
bexigas”; e seus doentes, como “bexiguentos”.
Assim como na
Europa, a varíola fez muitas vítimas no Brasil. Durante o Período
Colonial, a doença periodicamente atacava vilas e alastrava-se pelas
fazendas. Contando apenas com curandeiros e pouquíssimos
cirurgiões-barbeiros, o que restava à população era rezar e isolar os
doentes.
Foi apenas no século XVIII que se vislumbrou o que seria
a solução para impedir o avanço da varíola. As pistas foram dadas pelos
próprios doentes — as pessoas que conseguiam sobreviver ficavam imunes à
moléstia, ou seja, não a contraíam novamente.
Imunização. Essa
era a chave que a varíola oferecia em meio aos seus flagelos para se
evitarem tantas mortes. E quem percebeu isso não foi um cientista ou
médico da época (séc. XVIII), mas uma dama inglesa que havia sobrevivido
à terrível doença: lady Mary Montagu. Esposa do embaixador inglês no
Oriente, ela observou como os povos orientais faziam para evitar a
varíola. Era o começo da primeira vitória do homem sobre uma epidemia.
O que lady Mary percebeu e depois levou para a Europa foi o método de
inoculação, que consistia em pegar um pouco de material de dentro das
feridas dos enfermos que estavam em convalescença e inseri-lo, através
de um pequeno corte, em pessoas sadias, especialmente crianças. Assim, o
indivíduo acabava tendo uma forma “branda” de varíola e não ficava mais
doente.
Um cirurgião negro atendendo aos doentes. Imagem de Jean Baptiste Debret.
A inoculação também ficou conhecida como “variolização” e se tornou
moda entre as classes mais abastadas. Tanto reis como burgueses faziam
seus filhos serem inoculados para que sobrevivessem a futuras epidemias.
Esse método também chegou ao Brasil, de dois modos bem distintos: por
intermédio de médicos e cirurgiões-barbeiros e pelos curandeiros
africanos. Os primeiros queriam popularizar a prática para tentar
diminuir o número de mortes em caso de epidemias, mas não conseguiram.
Assim, ao ver um estilete, a maioria dos brasileiros fugia por medo.
Já a variolização feita pelos africanos tinha um caráter ritualístico.
Para estes, o mal devia ser combatido com o mal. Ao inocular as pessoas,
os curandeiros buscavam o poder do orixá das epidemias, Obaluaiê.